Competência em 3D
Os negócios no mundo globalizado se tornaram tão abrangentes e diversificados que é necessário misturar estratégia com capacidade de execução mais um bocado de autoconhecimento e preparo intelectual para atender à pressão de executivos e acionistas por resultados. E também às aspirações profissionais de cada colaborador.
"Não há varinha de condão para promover a mudança de mentalidade nas empresas. As que estão em setores mais competitivos mudam mais rapidamente - até para não morrer. Nos setores mais tradicionais, o ritmo é mais lento. Uma das competências mais valorizadas hoje no mundo dos negócios é a chamada competência em terceira dimensão - mais relacional e social. E não adianta adiar isso", diz Anderson Sant'anna, coordenador do Núcleo de Desenvolvimento de Liderança da Fundação Dom Cabral (FDC), instituição de ensino superior especializada na formação de executivos e empresários.
"Os gestores precisam ter alto nível intelectual, cultural e analítico - do pensamento à economia. Quem entende como o mundo funciona consegue compreender as expectativas de inter-relacionamento", afirma Carlos Vitor Strougo, diretor de Relacionamento Institucional da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) e presidente da consultoria Kadan Head Hunters.
Não é por outra razão que, cada vez mais, os cursos de formação de gestores, como o OneMBA da Fundação Getulio Vargas, procuram abrir os horizontes dos principais executivos das companhias com ensinamentos extra-disciplinares: de uma visita ao Museu de Arte Contemporânea de Inhotim, em Minas Gerais, a um passeio pelo comércio popular da rua 25 de Março, em São Paulo, até roteiros de peças teatrais e sessões especiais de cinema seguidas de longos debates teóricos. Contos de Machado de Assis fazem parte das aulas do professor Renato Guimarães, da FGV, que nada têm a ver com literatura. "O autoconhecimento é o melhor caminho profissional", diz Adriana Gomes, coordenadora do Núcleo de Estudos e Negócios em Desenvolvimento de Pessoas da ESPM. "O autoconhecimento é importante para tratar o colaborador não como recurso humano, mas como pessoa", afirma Anderson Sant'Anna, da FDC.
A tecnologia, que impactou os processos industriais e as formas de comunicação empresarial, também está a serviço dos gestores de pessoal. É o caso do Oracle Social Recruiting, um software de recrutamento proativo que busca atrair nas mídias sociais quadros qualificados que não estão atrás de emprego, mas poderiam aceitar propostas mais vantajosas de trabalho. O do Oracle Talent Management é outro programa, que identifica o potencial do servidor e ajuda a definir o plano de desenvolvimento de sua carreira. "A tecnologia é indispensável na gestão de pessoal, do contrário, exige time muito mais do RH ou uma burocracia incompatível com as demandas das organizações", diz Charles Rosenburst, executivo da Oracle, líder mundial em programas de bancos de dados que tem um portfólio de soluções para a gestão de pessoas.
Qualquer ajuda parece importante. Um estudo realizado pelo Hay Group, empresa global de consultoria, apontou, depois de ouvir 95 mil gestores em mais de 2.200 companhias de todo o mundo, que metade dos líderes das organizações globais é inflexível e que chefes mandões costumam desanimar os funcionários, derrubam a produtividade e geram impacto negativo no resultado das empresas. Nos países emergentes, o estilo de liderança predominante é o coercitivo. É o caso do Brasil, onde 60% dos gestores estariam nessa categoria.
"A leitura mais econômica e social do resultado do trabalho sobre a qualidade dos gestores em economias emergentes mostra que as lideranças são levadas a trazer resultados muitas vezes com recursos escassos. Líderes coercitivos são reflexo dessa distorção", diz Glaucy Bocci, gerente e líder da prática de liderança para América Latina do Hay Group. "O problema não é o chefe mandão, mas a inteligência dele e a liberdade que dá aos colaboradores. O chefe que não é mandão, mas é burro, também não é respeitado pelo subordinado", afirma Carlos Vitor Strougo, da ABRH. "Estudos da FDC revelam que as novas gerações entram no mercado de trabalho com novos valores. Elas não toleram o estilo coercitivo, nem os negócios aceitam mais. A emoção é importante para surpreender o consumidor e isso só se faz com um estilo de liderança mais aderente aos anseios dos servidores", diz Anderson Sant'anna, da FDC.
Num cenário em que o modelo ideal nem sempre é o que dá certo, porque as variáveis de aferição são difíceis de apurar, o ambiente interno e o desempenho final ainda são os melhores termômetros da gestão de pessoas. A capacidade de uma empresa em atrair talentos porque oferece os melhores salários é tão importante quanto a habilidade em reter os melhores quadros porque tem políticas de desenvolvimento pessoal e profissional. É o que revela outra pesquisa do Hay Group, que mostra os cinco pontos que mais contribuem para a retenção de pessoas nas organizações: a confiança no modelo de gestão, o espaço para o crescimento profissional, a equivalência entre competência e salário, o ambiente voltado à meritocracia e, por fim, a possibilidade de o servidor exercitar influência e assumir um papel protagonista no dia a dia da companhia.
"Num mercado aquecido, como o brasileiro, as empresas têm que atentar para a gestão de pessoal porque estão mais suscetíveis a perdas", afirma Glaucy Bocci, do Hay Group. "Num contexto quase que de pleno emprego, as pessoas têm opção de escolha. Então, é preciso antes de tudo escutá-las", diz Anderson Sant'anna, da FDC. "Não dá para no primeiro balanço negativo jogar para o ralo todo o discurso de valorização de pessoal. As empresas se preparam muito para os ciclos positivos e pouco para as fases ruins. Nenhum projeto de bônus de empresas superagressivas contempla períodos sem lucro - e isso pode acontecer. Por isso, prevalece o pessoal mais jovem, embora as empresas sintam falta da vivência. A experiência ainda é um diferencial", diz Strougo. Fonte Jornal Valor.