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Empresas contratam sem avaliar currículo

Contratação Cega.

A Compose exige muito dos candidatos a um emprego. Quem quiser ser contratado pela empresa de armazenagem de dados em nuvem de San Mateo, na Califórnia, tem de escrever um conto sobre dados, passar um dia trabalhando em um projeto simulado e concluir uma tarefa que lhe é atribuída. Só uma coisa a companhia não exige: um currículo.

A Compose faz parte de um pequeno grupo de empresas que tenta avaliar os potenciais contratados por suas capacidades, e não por seus currículos. A chamada “contratação cega” suprime informações como o nome do candidato ou a universidade em que ele estudou, para que os responsáveis pela contratação possam formar opiniões unicamente baseadas no trabalho da pessoa. Em outros casos, as empresas convidam candidatos a cumprir um desafio — criar um programa de software, por exemplo — e recebem os de melhor desempenho para entrevistas ou, eventualmente, para ofertas de emprego.

Os diretores dizem que a contratação cega revela talentos verdadeiros e resulta em maior diversificação das contratações. Eles acreditam também que a percepção de que o sucesso profissional pode surgir do que se conhece — e não de quem se conhece — tem um poder irresistível. Mas admitem que pode ser difícil ocultar a identidade de uma pessoa por muito tempo.

Kurt Mackey, principal executivo da Compose, percebeu que os diretores da empresa costumavam escolher candidatos tendo seus próprios contatos pessoais como critério. A alternativa era selecionar os que ostentavam em seus currículos empresas de peso, como Google. Esses fatores, no entanto, tinham pouco a dizer sobre o desempenho no escritório. “Estávamos contratando as pessoas com quem mais gostávamos de conversar”, diz Mackey. O problema é que muitas vezes o perfil desses profissionais pouco se adequava ao cargo, segundo o executivo.

Diante disso, a empresa, que foi adquirida no ano passado pela IBM, incluiu no processo seletivo uma amostra anônima de trabalho. Os candidatos passam de quatro a seis horas desempenhando uma tarefa semelhante à que executariam na Compose — escrevendo uma postagem para um blog de marketing sobre um produto técnico, por exemplo.

Houve alguns contratempos. Os candidatos não resistiram à tentação de escrever o nome em seu trabalho, criando para os funcionários a necessidade de programar o software do teste para suprimi-lo. Além disso, o processo consome muito tempo tanto dos participantes quanto dos empregadores. Alguns candidatos até se recusaram a se submeter a ele, alegando não estarem dispostos a trabalhar de graça. As pessoas ainda enviam currículos, mas Mackey afirma que não os examina.

A nova exigência resultou em contratações que, com o tempo, apresentaram melhor desempenho, diz Mackey. De acordo com um porta-voz da IBM, seus diretores estão fazendo experiências com procedimentos semelhantes. O interesse cada vez maior pelo processo seletivo anônimo reflete o crescente reconhecimento de que existem predisposições, atitudes ou estereótipos inconscientes que afetam as decisões dos executivos.

Pesquisas sobre preconceitos inconscientes mostraram que informações como o nome de uma pessoa pode afetar a maneira pela qual ela é vista e levar sutilmente os diretores a tomar decisões injustas. Um estudo de 2012 publicado na revista americana “Proceedings of the National Academy of Sciences” detectou, por exemplo, que os membros do corpo docente que avaliavam pretendentes ao cargo de chefe do laboratório consideraram um candidato mais digno de ser contratado do que uma candidata, embora ambos tivessem credenciais idênticas.

Muitos tipos de predisposições podem desestruturar carreiras. Ao longo de seus vários anos como recrutadora para o setor tecnológico, Aline Lerner descobriu que as empresas ignoravam tecnólogos talentosos que não tinham diplomas de faculdades de elite ou experiência em companhias famosas de tecnologia como o Facebook.

Ela enfrentou dificuldades para convencer empresas iniciantes a aceitar candidatos que se capacitaram por meio de caminhos alternativos, como cursos on-line. “O fato de eles darem com a cara na porta antes de poderem mostrar o que sabiam fazer era extremamente frustrante”, diz.

A executiva deixou a área de recrutamento para montar a Interviewing.io, um site que reúne entrevistadores e entrevistados em salas de bate-papo em que eles são estimulados a conversar sem compartilhar nomes. Aline estuda a possibilidade de incorporar um recurso de distorção da voz para acrescentar uma camada a mais de anonimato. Algumas startups e pessoas dentro de grandes empresas já estão usando o programa, diz.

Paul McEnany, diretor de produto da agência de publicidade Levenson Group, sediada em Dallas, no Texas, trabalhou com a companhia GapJunpers na criação de um processo cego para a contratação de um redator júnior, no terceiro trimestre do ano passado. A Levenson pediu que os candidatos criassem uma campanha no Instagram para uma marca de vodca do Texas.

Dentre cerca de 50 candidatos, a empresa garimpou uma recém-formada na universidade, Kendall Madden, que não tinha estudado marketing nem estagiado em agências de publicidade conhecidas. A campanha de Kendall, que apresentava mãos esticadas na direção de bebidas e cuja criação levou de 12 a 16 horas, se destacou. Se a empresa tivesse se limitado a examinar seu currículo, “nem tenho certeza se teríamos entrevistado Kendall, para começar”, diz McEnany.

As relações pessoais continuam, sem dúvida, sendo uma força poderosa no recrutamento. As indicações representam a maior fonte isolada de contratações para muitas companhias, muitas das quais oferecem dinheiro ou benefícios a funcionários que recomendam amigos.

O braço britânico da Deloitte começou recentemente a omitir as universidades em que os candidatos se formaram para preencher cerca de 1,5 mil cargos de entrada na companhia. Em vez disso, os candidatos se submetem a uma bateria de testes destinados a medir habilidades como raciocínio numérico e pensamento crítico, diz Emma Codd, sócia-gerente de captação de talentos da auditoria.

A Deloitte não deixa de analisar as notas dos candidatos na universidade, mas esses dados são contextualizados por uma empresa chamada Rare Recruitment, capaz de mostrar, por exemplo, se uma aluna com notas médias se destacou sobre o conjunto de seus colegas de classe. “Estamos nos esforçando para proporcionar condições de igualdade para todos”, diz Emma.

Daqui a alguns meses, a Deloitte, juntamente com outras organizações do Reino Unido como o banco HSBC, a auditoria KPMG e a BBC, vão eliminar os nomes dos profissionais que se candidatam a um emprego, embora a Deloitte ainda não saiba exatamente como a iniciativa vai funcionar. “Vai ser muito difícil”, diz Emma, reconhecendo que o gênero e a origem étnica de uma pessoa ficarão evidentes após os processos de triagem iniciais e conversas presenciais. “Não consigo imaginar como vamos fazer a entrevista sem dizer o nome da pessoa.” Fonte The Wall Street Journal.

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