Alemanha aposta em fábricas inteligentes
A fábrica da Siemens em Amberg é capaz de buscar e montar componentes sem outras intervenções humanas.
A nova frente do esforço da Alemanha para acompanhar a revolução digital encontra-se numa fábrica nesta cidade industrial da Bavária.
O que a fábrica da Siemens produz — nesse caso, máquinas automatizadas usadas em outras instalações industriais — não é o que está em jogo, mas sim como suas 1.000 estações de manufatura se comunicam através da internet.
Como resultado, a maioria das unidades nos quase 10 mil metros quadrados da fábrica é capaz de buscar e montar componentes sem outras intervenções humanas.
A fábrica de Amberg é um exemplo em estágio inicial de um esforço generalizado por parte do governo, empresas, universidades e instituições de pesquisa da Alemanha para desenvolver fábricas “inteligentes” e totalmente automatizadas com base na internet.
Essas fábricas tornariam os produtos inteiramente personalizáveis ainda no chão de fábrica: um produto inacabado na linha de montagem comunicaria “à máquina quais serviços ainda precisa” e o produto final seria imediatamente montado, diz Wolfgang Wahlster, um dos líderes da Industrie 4.0, como o projeto coletivo é conhecido.
A iniciativa tem o objetivo de ajudar o setor industrial alemão — a espinha dorsal da maior economia da Europa — a manter sua vantagem competitiva para contrabalançar os custos de mão de obra mais baixos de países emergentes e um ressurgimento do setor manufatureiro nos Estados Unidos.
Sustentando essa iniciativa está a chamada “internet das coisas”, a interação entre a internet e equipamentos do mundo real. Neste ano, o Google Inc. fez uma grande investida na área da internet das coisas relacionada ao consumidor. A empresa americana pagou US$ 3,2 bilhões pela Nest Labs Inc., fabricante de termostatos inteligentes que podem ser controlados remotamente por smartphones e outros dispositivos conectados.
A manufatura totalmente inteligente ainda está na sua fase inicial. Mas o Centro Alemão de Pesquisa para a Inteligência Artificial tem trabalhado com empresas industriais do país para desenvolver alguns dos exemplos mais avançados nesse campo.
Na fábrica inteligente de Kaiserslautern, que é a unidade-piloto do centro de pesquisa, a gigante dos produtos químicos Basf SE produziu xampus e sabonetes líquidos totalmente personalizados. Assim que uma encomenda de teste era colocada on-line, etiquetas de identificação por radiofrequência colocadas em frascos vazios numa linha de montagem informava simultaneamente a máquinas de produção que tipo de sabonete, fragrância, cor de tampa e rótulos eram necessários. Cada frasco tinha o potencial de ser completamente diferente do que vinha logo atrás dele na correia transportadora.
O experimento se baseou numa rede sem fio por meio da qual as máquinas e produtos mantiveram a comunicação, sendo que a única intervenção humana ocorreu quando uma pessoa entrou com a encomenda de teste no sistema.
A unidade da Siemens em Amberg mostra o que já é possível fazer hoje em uma fábrica em operação. A fábrica, que produz máquinas automatizadas para linhas de montagem de empresas industriais alemãs como Basf, Bayer, Daimler e BMW AG e muitas de suas concorrentes fora da Alemanha, vem se digitalizando gradualmente há 25 anos. Hoje, cerca de 75% de suas operações estão no piloto automático, com 1.150 funcionários operando principalmente computadores e monitorando o processo de produção.
A construção de um sistema de manufatura inteligente que se auto-opera através de uma rede na internet pode ainda demorar pelo menos dez anos. “Já temos os elementos básicos”, diz Siegfried Russwurm, membro do conselho de administração da Siemens.
Além de Amberg, outras fábricas alemãs que estão caminhando para a fabricação inteligente incluem uma operada pela fabricante de motores eletrônicos Wittenstein AG e a nascente linha de montagem adaptativa da Bosch GmbH para equipamentos hidráulicos, prevista para começar a operar em Homburg ainda este ano.
A incursão da Alemanha na internet industrial ocorre em meio a uma apreensão generalizada no país com o domínio dos EUA sobre a internet. Atualmente, o Google é responsável por 95% de todas as buscas feitas pelos alemães na internet, de acordo com o portal de estatísticas on-line Statista, e sua penetração pode representar um desafio para as empresas industriais alemãs que tentam usar a web para adotar um modelo de negócios mais orientado aos serviços.
Günther Schuh, membro da Academia Nacional de Ciências e Engenharia da Alemanha, que ajudou a lançar a Industrie 4.0, disse que notou “uma preocupação genuína na indústria alemã com a posição de monopólio de empresas como a Amazon e o Google” porque elas controlam a interface entre os consumidores e empresas.
O Google poderia, potencialmente, usar sua posição dominante como um motor de buscas para promover seus próprios produtos e serviços, enquanto se expande para além do simples fornecimento de serviços de e-mail, processamento de textos e software de computação em nuvem. A empresa americana de tecnologia, por exemplo, está na fase inicial de desenvolvimento da tecnologia para um carro que se autodirige.
A Amazon não se ateve apenas ao varejo on-line, mas entrou na indústria de eletrônicos de consumo com o seu tablet Kindle Fire e seus smartphones Fire Phone.
A chanceler alemã Angela Merkel alertou que empresas alemãs precisam fazer mais para se manter competitivas na economia digital, enquanto o ministro da Economia alemão, Sigmar Gabriel, vê perigo em permitir que empresas americanas como o Google dominem o chamado negócio de dados da Internet.
“O ‘big data’ [grandes volumes de dados] necessário para a Industrie 4.0 funcionar não está sendo coletado por empresas alemãs, mas por quatro grandes empresas do Vale do Silício. Essa é a nossa preocupação”, disse Gabriel em um debate público com Eric Schmidt, presidente do conselho do Google, no início deste mês.
Os executivos alemães parecem menos preocupados.
Peter Herweck, diretor-presidente da divisão responsável por equipamentos motorizados da Siemens, diz que não vê o domínio do Google na internet como uma ameaça às iniciativas de manufatura digital da Siemens. “Talvez eles possam se tornar um parceiro” em algum momento, ao ajudar os engenheiros a identificar ferramentas ou peças que necessitam de reparo dentro das fábricas, diz ele.
“Quando se trata do mundo conectado, é preciso mais do que apenas software” para a fabricação inteligente, diz Werner Struth, membro do conselho da Bosch. “É preciso produtos que podem ser tocados.” Fonte The Wall Street Journal.