Por que a economia compartilhada do Airbnb irrita hotéis e governos
O Radius Cafe, em San Francisco, é um daqueles lugares na Califórnia onde "ser local" é a regra: todos os alimentos ali são produzidos dentro de um raio de 160 quilômetros do restaurante. Portanto, é até irônico que esse seja o ponto de encontro com Brian Chesky, de 32 anos, um dos fundadores do Airbnb, cujo plano de jogo é "ser global".
O Airbnb é um serviço pela internet que permite que viajantes reservem sofás, camas, quartos, casas, barcos e até castelos com base em diárias. Em seis anos, o Airbnb se tornou uma empresa avaliada em US$ 2,5 bilhões, com 500.000 imóveis disponíveis em mais de 190 países — um exemplo de sucesso da chamada economia compartilhada.
Como seria de se esperar, as redes hoteleiras e reguladores estão desconfiados do modelo do Airbnb. Em outubro, o Estado de Nova York processou a empresa por violar uma lei de 2010 que proíbe que indivíduos aluguem residências inteiras por menos de 30 dias.
"Quero desafiar o status quo, mas de forma construtiva", diz Chesky. "Havia leis criadas para as empresas e leis para as pessoas. O que a economia compartilhada fez foi criar uma terceira categoria: pessoas que atuam como empresas [...] Eles não sabem se categorizam nossa atividade como pessoa física ou jurídica."
Chesky cresceu perto de Albany, a capital do Estado de Nova York, e se formou em desenho industrial pela prestigiada Rhode Island School of Design. "O desenho industrial ensina empatia", diz Chesky. "Basicamente, você tem que se colocar no lugar da pessoa para quem você está criando e tem que vivenciar o sistema do começo ao fim."
Em 2004, Chesky foi para Los Angeles para trabalhar como designer industrial em uma pequena empresa. Três anos mais tarde, ele pediu as contas e foi morar em San Francisco com um amigo da faculdade, Joe Gebbia, que também havia acabado de deixar seu emprego como artista gráfico. "Eu queria traçar meu caminho por conta própria", diz Chesky.
Sem dinheiro sequer para pagar o aluguel, os designers desempregados sabiam que, em duas semanas, San Francisco receberia a conferência da Sociedade Americana de Design Industrial de 2007 e que faltariam quartos de hotel na cidade. Gebbia tinha três colchões de ar e sugeriu transformar o apartamento em um alojamento com café da manhã, um "air bed and breakfast", ou airbnb.
Em três dias, eles criaram um website rudimentar e conseguiram três hóspedes: uma mulher e dois homens, um deles da Índia, cada um pagando uma diária de cerca de US$ 70 por várias noites. Chesky e Gebbia concluíram que haviam descoberto um negócio interessante.
No início de 2008, os dois chamaram um engenheiro, Nathan Blecharczyk, e puseram a mira no South by Southwest, um festival de música e mídia em Austin, no Texas. Eles lançaram uma versão simplificada do site para o evento, sem pagamentos on-line, sem comentários, reservas ou função de busca. "Conseguimos 50 pessoas dispostas a alugar suas casas, mas só duas pessoas interessadas em reservar um quarto", diz Chesky, "e eu era uma delas".
O resto de 2008 foi dedicado a adicionar funções mais robustas ao site que o tornaram mais fácil de ser usado. Steve Jobs famosamente insistia em ter um máximo de três cliques para que um usuário conseguisse tocar música no iPod da Apple. O Airbnb adotou o mesmo mantra: três cliques para fazer uma reserva.
Chesky conta que eles sobreviveram usando o limite de vários cartões de crédito até que o negócio decolasse. Por mais de um ano, "ninguém investiu no Airbnb", lembra. "Investidores-anjo conhecidos nos rejeitaram."
A primeira oportunidade surgiu em 2009, quando a Y-Combinator, a incubadora de empresas novatas mais conhecida da Califórnia, selecionou o Airbnb, dando aos fundadores US$ 20.000 e três meses para refinar seu modelo de negócios.
Para atrair capital de risco de peso, eles precisavam de tráfego e receita para tornar o Airbnb minimamente rentável. Chesky usava a teoria do "Miojo": "Se pudermos viver só à base de Miojo, quanto dinheiro precisamos?" No espelho do banheiro, ele mantinha um "gráfico do Miojo", com US$ 1.000 por semana.
Para calcular quanto o Airbnb precisava, os sócios viajavam para Nova York — que rapidamente se tornou o foco do negócio — todos os fins de semana, ficando em quartos reservados pelo Airbnb. Eles viram que precisavam de fotos de alta qualidade dos apartamentos e que o Airbnb precisava se envolver mais na coordenação da entrega das chaves e contratação de serviços de limpeza. Depois que a experiência Airbnb melhorou, diz Chesky, visitantes do mundo todo "voltavam da viagem e passavam a oferecer suas casas no site". A rede Airbnb se expandiu rapidamente. Em março de 2009, a Sequoia Capital investiu US$ 600.000.
O Airbnb fica hoje com 12% de cada transação: 3% do proprietário do imóvel e cerca de 9% de quem aluga. A empresa de capital fechado não revela seus resultados. Mas se calcularmos 60.000 reservas por noite — a média, segundo Chesky— a um valor baixo de US$ 50 por reserva, então o Airbnb está tendo uma receita anual bem maior que US$ 100 milhões. A empresa tem 700 funcionários.
Hospedar-se na casa de pessoas estranhas, seja alugando um quarto ou um apartamento inteiro, não é para qualquer um. E o modelo não está livre de problemas. Em 2011, um cliente roubou um apartamento em San Francisco, levando objetos de valor e um passaporte. Em 2012, um locatário supostamente usou um apartamento de Estocolmo como um bordel.
As avaliações de proprietários e locatários resolvem a maioria dos problemas ao alertar outros sobre possíveis dificuldades. "Uma transação bilateral requer um sistema de reputação", diz Chesky. Depois de uma revolta de clientes decepcionados, em maio de 2012, o Airbnb instituiu uma "garantia ao locador" de US$ 1 milhão, pelo Lloyds of London.
Mas de longe os maiores obstáculos do Airbnb são as empresas de hotelaria que se sentem ameaçadas e governos interessados em coletar impostos que, segundo eles, o Airbnb vem sonegando. Nova York é o mercado mais lucrativo do Airbnb e a batalha da empresa com o procurador-geral Eric Schneiderman está sendo acompanhada de perto por outras firmas com modelos de negócios parecidos.
Há quatro meses, Schneiderman intimou os 15.000 locadores do Airbnb em Nova York para que forneçam dados. Ao perseguir o Airbnb, o procurador-geral tenta proteger os 14,75% em impostos sobre vendas e ocupação de Nova York, além dos mais de 30.000 trabalhadores do setor hoteleiro sindicalizados da cidade.
Chesky insiste que a companhia quer cooperar com qualquer investigação. Mas acrescenta que o que ocorreu em Nova York "não parecia uma investigação, parecia mais uma expedição de pesca".
"Não somos contra a regulamentação, mas queremos que ela seja justa", diz Chesky. "Estamos tentando ajudar a tirar essa atividade — que já existia por baixo da mesa, no Craigslist — das sombras. Queremos trabalhar com as cidades para facilitar o processo para que os locadores paguem impostos", diz ele. "As pessoas perguntam: 'Por que você simplesmente não paga o imposto?' Bem, acontece que, em cidades como Nova York, você não pode simplesmente pagar o imposto [...] você tem que mudar as leis primeiro. O processo oneroso de licenças e alvarás foi projetado para grandes empresas", não para os usuários do Airbnb.
"Quero viver em um mundo onde as pessoas podem se tornar empresários ou microempresários e se pudermos reduzir o atrito e inspirá-los a fazer isso, especialmente em uma economia como a de hoje, estaremos cumprindo a promessa da economia compartilhada", diz Chesky. Fonte The Wall Street Journal.