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Crise na indústria do luxo

Loja da Gucci em Hong Kong. Mudanças nas preferências dos clientes estão afetando as vendas da grife italiana.

Gucci tenta recuperar força da marca em meio a crise na indústria do luxo

Ao longo dos últimos anos, Helen Nonini, uma executiva de Milão de 35 anos, vendeu a maior parte das bolsas e acessórios Gucci que ela costumava adorar.

“Não quero ser categorizada”, diz Nonini. “Não quero que alguém me veja na rua e saiba de imediato quem desenhou a bolsa que estou usando ou quanto paguei por ela.” Ela tem preferido outros acessórios de marca, com etiquetas menos ostensivas, como Bottega Veneta.

Reconquistar clientes como Nonini, muitos dos quais perderam o interesse por marcas que foram altamente desejadas por muito tempo, tem sido uma batalha difícil para a Gucci, cuja trajetória estonteante de crescimento parece ter sido interrompida.

Na semana passada, a Kering SA, controladora da Gucci, informou que as vendas do terceiro trimestre da marca caíram 1,6% em relação a um ano antes. As vendas totais do conglomerado de luxo subiram 3,3%, para 2,6 bilhões de euros (US$ 3,29 bilhões).

Esses resultados são parte de uma tendência. De acordo com a Bain, o crescimento global das vendas de acessórios, como bolsas e sapatos, está desacelerando. Elas avançaram 7% no ano passado, em comparação com 16% em 2012, e devem subir 5% este ano.

As dificuldades da Gucci, cujas lojas elegantes e produtos cobiçados ajudaram a alimentar a ascensão das supermarcas de luxo há 15 anos, ilustram o dilema que a maioria das marcas icônicas da moda enfrenta hoje: como manter uma aura de exclusividade e ao mesmo tempo vender os volumes que os investidores esperam. Os esforços da Gucci nesse sentido resultaram em uma grande variedade de preços e ofertas que diluíram a exclusividade da marca, dizem analistas.

Vários fatores, como o fim de anos de crescimento estratosférico na China, as sanções à Rússia e o mal-estar econômico prolongado da Europa, são parcialmente responsáveis pelos problemas enfrentados por algumas marcas de luxo. E marcas mais jovens, como Delvaux e Celine, da LVHM, estão atraindo clientes de gosto sofisticado que passaram a preferir alternativas discretas ao visual óbvio de um logotipo conhecido.

Para o triunvirato frequentemente citado das marcas Louis Vuitton, Gucci e Prada, o desgaste torna-se evidente à medida que o avanço das vendas recua.

A Louis Vuitton, divisão da LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton, registrou vendas praticamente estagnadas em 2013, após anos de alta de 10% ou mais. O mesmo ocorreu no primeiro semestre deste ano com as vendas da Prada, principal marca do grupo Prada, ante um salto de 32% no ano terminado em janeiro de 2013.

A Gucci começou a ter dores de cabeça no ano passado. As vendas da marca caíram 4,5% no primeiro semestre deste ano, muito distante do crescimento anual de 17% que a empresa obteve em 2010. Em 2013, as vendas somaram 3,56 bilhões de euros, 1% menos que em 2012.

“A Gucci tem muitos produtos, lojas grandes demais e uma faixa de preços muito ampla em comparação com outras marcas de luxo”, diz Pierre François Le Louet, presidente da consultoria francesa Nelly Rodi. “Seus produtos não são tão originais como antes.”

Em entrevista ao The Wall Street Journal, o diretor-presdiente da Gucci, Patrizio di Marco, salientou que a marca tem buscado mais inspiração em seus arquivos.

A Gucci foi fundada em 1921 como fabricante de artigos caros de couro, um pináculo das habilidades artesanais “Made in Italy”. Em 1953, ela abriu sua primeira loja no exterior, em Nova York. Suas bolsas e sapatos de couro amanteigado foram usados por nomes como Audrey Hepburn. Mas, na década de 80, uma briga familiar levou a um declínio impressionante da marca, quando uma expansão para todo tipo de produtos, de chaveiros a canecas, quase a levou à falência.

Na década de 90, uma nova gestão liderada pelo advogado formado em Harvard Domenico De Sole e o ex-modelo e estilista Tom Ford assumiu o comando. A dupla ofereceu doses generosas de sensualidade e o brilho das celebridades. Suas coleções recuperaram a aura poderosa da marca em meados dos anos 90.

Junto com a Louis Vuitton e a Prada, a Gucci passou a vender peças caras a uma nova classe de alpinistas sociais dispostos a pagar mais de US$ 1.000 por uma bolsa com uma etiqueta conhecida. Os lucros gerados por artigos de couro eram enormes e com os ganhos, as marcas abriram centenas de lojas elegantes. A Gucci gastou quase US$ 100 milhões em só uma loja em Milão em 2001.

As vendas da Gucci cresceram mais de dez vezes entre 1991 e 2004. O sucesso da marca era tal que a LVMH tentou tomar seu controle, iniciando uma batalha que foi resolvida quando a PPR — hoje conhecida como Kering — comprou uma participação majoritária da marca. De Sole e Ford entraram em conflito com os executivos da PPR e deixaram a empresa em 2004, decisão que chocou o mundo da moda.

Quando o dono da Kering, François Pinault, nomeou Marco diretor-presidente, em 2008, as lojas estavam cheias de mercadorias com o logo dos dois Gs. Uma bolsa básica custava a partir de 500 euros. Os itens mais baratos representavam 32% das vendas totais, segundo a empresa.

Ao mesmo tempo, a Kering estava investindo em marcas que havia adquirido antes, como Saint Laurent, Balenciaga e Bottega Veneta — que cada vez mais vêm roubando os lucrativos consumidores dos bens de luxo da Gucci.

“A Gucci cometeu o grande erro de esnobar as novas marcas”, diz di Marco. “Se você está muito confiante sobre sua própria força, corre o risco de subestimar esse fenômeno, que em termos reais são fatias de mercado que pode perder ou novos consumidores que os outros conquistam, porque eles são melhores que você.”

A Kering informou na quinta-feira que as vendas da Saint Laurent e da Bottega Veneta subiram 28% e 10%, respectivamente.

Mesmo que as marcas menores ofereçam mais crescimento, conglomerados como LVMH e Kering precisam de grandes nomes como Gucci e Vuitton, que contribuem com a maior parte das vendas gerais das controladoras, para entregar os volumes e resultados que mantêm os investidores felizes.

Marco estabeleceu metas claras: Limpar os produtos na faixa mediana de preços e o excesso de logos, embora mantendo produtos acessíveis para atrair novos clientes. Atualmente, os produtos com logotipo representam 37% da linha Gucci.

A Gucci ampliou o número de produtos com preços mais exclusivos, entre cerca de US$ 3.200 e US$ 5.610 — em apenas 1% entre setembro 2013 e maio de 2014, de acordo com Sanford C. Bernstein. Alguns analistas dizem que o volume não é suficiente para atrair clientes mais sofisticados.

Di Marco acredita que a ascensão de marcas menores expôs a fragilidade da dependência dos grandes nomes do luxo em seus logotipos icônicos. Algumas marcas perderam a credibilidade entre os super-ricos e as celebridades, justamente por causa de seus logos onipresentes.

A Gucci ainda busca a fórmula ideal entre reconhecimento de marca e exclusividade. A maior parte dos seus novos produtos mais caros é discreta, sem logo. Mas as bolsas cobertas com a logomarca da empresa e ou metálicas com os dois Gs gigantes interligados ainda são essenciais para atrair clientes de luxo que gastam menos, fundamentais para os resutados de vendas.

Di Marco diz que o preço médio de varejo da Gucci está subindo. Segundo o BNP Paribas, a alta foi de 41% desde 2009. Marco acredita que o reposicionamento deve ser prudente. “Os clientes começam em algum lugar na escala de luxo”, diz. “Precisamos atender também a essas pessoas.”

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